terça-feira, 1 de julho de 2008

Micro-discurso proferido no VII Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e AIDS / Florianópolis / 25/06/2008


Pessoal:


Quando me convidaram para este evento, na condição de "representante das Artes", fiquei deveras honrado. Me disseram que eu poderia/deveria fazer um discurso de até cinco minutos. Pensei: "oba, quase sempre a melhor virtude de um discurso é sua brevidade..."

Pensando no que falar, comecei a ler o material promocional do evento e descobri que se tratava também da inserção da Arte no contexto da Saúde. Me deparei também com a expressão "Município - Mundo". Recordei imediatamente da expressão latina urbi et orbi, a expressão com a qual os papas católicos no Vaticano iniciam seus pronunciamentos, dirigindo-se à cidade (de Roma) e ao mundo.

Costuma-se dizer que o artista capaz de falar de sua aldeia com profundidade, propriedade, afeto e, sobretudo, talento acaba por falar do Mundo e para o Mundo.

Como todo grande artista, Caio Fernando Abreu - o escritor homenageado neste congresso - falava daquilo que lhe era próximo e vital com tamanha beleza e maestria que sua obra continua a angariar, mesmo quase doze anos após sua morte, um número cada vez maior de leitores apaixonados.

Caio foi além ao falar, não somente de sua aldeia, mas também - e principalmente - de seu universo interior, de sua mais profunda intimidade, de seu próprio corpo e espírito, de sua mais pungente dor. Caio foi um dos primeiros artistas brasileiros, assim como Cazuza e tantos outros, a assumir publicamente sua condição de soropositivo. Isso numa época em que a expressão politicamente correta "viver com Aids" ainda não existia. Não somente pela ausência da expressão propriamente dita, mas também pela impossibilidade prática da mesma. Não se vivia com Aids. Ser portador do vírus era uma sentença de morte implacável, inapelável. Morria-se das doenças provocadas pela imunodeficiência, mas morria-se também de preconceito e seus inseparáveis efeitos colaterais: segregação, isolamento, descaso, solidão e desamor.

Caio teve a sorte de contar com o apoio da família e amigos nos seus derradeiros meses e morreu cercado dos cuidados médicos possíveis na época; cercado também de atenção, carinho e amor. A corajosa atitude de Caio, no entanto, foi decisiva na maneira com a qual a sociedade brasileira passou encarar esta doença e, se estamos aqui hoje, é também graças a ele.

Fico pensando na função da Arte e do Artista neste contexto. Claro que a Arte pode e deve transmitir informação e ajudar na conscientização & prevenção de doenças. Mas considero a Arte ainda mais eficiente quando ajuda a construir dentro do indivíduo a capacidade de refletir, de estruturar-se, de criticar, de processar/produzir informação, de dizer "Sim" e principalmente de dizer "Não". Não a oportunismos baratos, obscurantismos obsoletos, moralismos de ocasião e toda sorte de opressão do homem pelo homem.

Queria finalizar dizendo que estou muito feliz de participar de um evento desta magnitude e importância, parabenizar seus organizadores, autoridades presentes e, especialmente, toda esta imensa platéia. Creio que iniciativas como esta são de uma importância decisiva urbi et orbi. Importantes e decisivas para nossa aldeia e, talvez, para todo nosso mundo.

Bom congresso para todos; todo meu carinho para cada um de vocês. Boa noite e obrigado!

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